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quinta-feira, 14 de julho de 2011

Para Não Dizer que Não Falei das Lápides


Monumento  à Capistrano de Abreu
Maranguape - CE

Não há sentido em meu tempo...
Minha cidade é vã tanto quanto é vil...
Recobre-me o rosto esse manto senil,
Que me repele, condena e castiga,
E por ter vida,
Dentre esta corja moribunda,
Cuja alma é imunda,
E decompõem-se ainda viva.
Denominaram-me assim...
"Maldito"...
Por arder em vida...
Assim me chamam as bocas sepulcrais das esquinas,
"Maldito"...
Mas não te enganes...
Aqui neste Mausoléu de corpos vivos,
Cuja semântica desobedece,
O sentido verídico que as palavras tentam anunciar...
Maldito é tão somente o termo que tende a de fato denominar, Tudo que resiste, duela e insiste em permanecer em estado ser vivente.
Sim, eu trago a primavera cravada entre os dentes...
E não me corrompe a moralidade e os engodos deste solo estéril.

Não há sentido em meu Estado ¹ infértil,
A muito, meus compatrícios alienaram seus ossos,
A fim de provar da loucura e do ócio.
O feio soldado que se enverga a deserção,
E não há pão que brote deste chão.
Apenas um reles monumento erguido,
Uma menção um tanto quanto patética,
Ao póstumo herói perseguido ².
Cuja homenagem agride e decrepta,
Nesta cacofônica versão histórica.
Tão histérica, histérica, histérica!
Quem deveras diria que nem pó transportou em seu corpo ³,
O guardião da historia tão morto,
É castigado por resistir quando vivo,
Sendo lembrado como fato distorcido,
O filho ilustre de uma mãe promíscua.
Profanado, deformado e reescrito.
É castigado ao não ser esquecido.

E não há sentido, não há sentido...
Não há sentir.
Crianças corroem suas narinas por aqui
Vendem seus corpos, choram sem mães
Enquanto reis e rainhas desfilam despidos ¹¹,
A nudez mais suja que já se tenha visto.
Tão dantesco inferno,
Travestido de progresso ¹².
Ilusório, ilusório.
A juventude tem cheiro de ópio.
E tudo se compra,
E tudo se vende por aqui.
A libido,
O dissoluto,
O desejo de ter,
O sonho retorcido de fugir,
A ilusão megalomaníaca do ser.
Quantas almas e psiques foram corrompidas?
Eu não sei...
Mas existe um umbral de saída
Que só os poucos que ainda ardem em vida sabem...
Ainda que sentido não haja, a busca é a natureza dos resistentes
O instinto dos seres não dormentes
É o gosto viçoso da eterna procura...
Que, ora adoece, ora cura
Mas ainda assim é benéfica e benevolente...
Aos que arregalam seus olhos no escuro
A busca é a primavera que lateja entre os dentes,
E nunca poderá ser usurpada...
Mas para não dizer que não falei das lápides...
Queimem meu corpo ao lado da estátua ¹³,
E derramem minhas cinzas num rio,
Caso haja algum que ainda desemboque no mar.


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NOTAS DE REFERÊNCIAS


¹ Referência a cidade de Maranguape-CE
² Referência a Capistrano de Abreu, sua estatua na praça com o mesmo nome e sua história oficial.
³ Dize-se que Capistrano de Abreu ao ir embora de Maranguape bateu até a poeira dos pés como forma de repúdio a esta cidade.
¹¹ Aqui faço um paralelo entre a classe política de Maranguape e a fabulo do "Rei Nu de Chris Anderssen.
¹² Uma crítica a política municipal de investimentos apenas em borás de infra estrutura em detrimento as políticas sociais e culturais.
¹³ Referência a Estátua de Capistrano de Abreu, ao lado do qual esta poesia foi composta.

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